08 fevereiro, 2012

"O Araguaia está sumindo" Em entrevista Casaldáliga critica abandono do Araguaia, o genocídio dos índios e a agressão ao meio ambiente

O bispo emérito de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga, com saúde um pouco fragilizada, mas totalmente lúcido e atualizado, fala com exclusividade sobre a situação de abandono da região do Araguaia, da falta de compromisso das lideranças políticas do estado, diz que há mais genocídio que assistência aos povos indígenas e que a Hidrovia Araguaia/Tocantins representa um desastre e não uma solução.
Conhecido mundialmente por suas severas críticas a má gestão pública, Dom Pedro Casaldáliga já está praticamente recuperado da intervenção cirúrgica que sofreu no final do ano passado e repousa na Prelazia de São Félix do Araguaia, onde vive há muitos anos.
ISOLAMENTO – Dom Pedro reconhece que a região do Araguaia está esquecida pelos políticos de Mato Grosso. “É preciso proporcionar um desenvolvimento harmônico a região toda, e há possibilidades disso. Há 40 anos reivindicamos estradas. Agora estão fazendo algum asfalto, mas nos dias de chuva fica tudo difícil. Os políticos já poderiam ter feito muito mais nas áreas de saúde e educação e comunicação, ainda muito precárias”, observa o bispo.
Na área de saúde, ele ressalta que se um morador do Araguaia precisa de uma intervenção cirúrgica tem que ir para Barra do Garças ou Goiânia. “Falta mesmo vontade política de atender o povo. Há muita dificuldade de infraestrutura, saúde e educação principalmente para o povo que está longe, sem comunicação. Sempre me refiro à figura heroica das professoras desses sertões, que enfrentam chuva e sol, cansaço e às vezes são mal remuneradas”, diz o religioso.
SAÚDE INDÍGENA - A respeito do alto índice de mortalidade infantil, Dom Pedro Casaldáliga lamenta que em todos os países da América Latina não se consideram os direitos fundamentais, as necessidades básicas dos povos indígenas, como suas terras, saúde e educação e que isso seria uma consequência do descrédito em relação às raízes e ao futuro dessas nações. E afirma categórico: “os povos indígenas não são tolerados”.
Outro agravante seria o fato da Funasa estar sucateada. Foi criada uma nova Secretaria de Educação Indígena, porém os próprios funcionários não tem a garantia de permanência no emprego. “A saúde no país todo está precaríssima. A gente vê, em todas as capitais, doentes jogados nos corredores. Não só os povos indígenas são mal atendimentos, mas toda a população que depende do SUS”.
O álcool é hoje o maior problema enfrentado pelos povos indígenas, sobretudo na região do Araguaia, segundo Casaldáliga, uma herança do povo branco. “Infelizmente leis que proíbem a venda do álcool não são respeitadas. Qualquer um pode comprar, e inclusive uma criança consegue comprar. Para acabar com o alcoolismo nas aldeias se exige uma política muito radical, um trabalho muito paciente porque sabemos que o álcool é uma doença que não pode ser enfrentada só com medicamento. Exige acompanhamento, educação a partir da criança. O adulto dificilmente vai se corrigir. Devemos, sim, evitar novos casos de alcoólatras. Tuberculose é outro grande problema. Quando retornei, havia 12 índios tuberculosos.”
Ele lamenta que a região do Araguaia ainda não tenha um verdadeiro hospital regional. “Se o paciente precisa buscar recursos em outro município de ônibus ou de avião também não tem condições econômicas. Eu entendo que cada município não tem estrutura para montar seu hospital, mas um hospital regional há possibilidades sim de ser construído. Os municípios têm feito a sua parte”.
HIDROVIA – Para Dom Pedro Casaldáliga, a construção da Hidrovia Araguaia/Tocantis representaria um prejuízo e não uma solução. “A hidrovia seria mais um desastre para nossa região”, analisa o líder religioso, ressaltando que técnicos isentos repetem que não há condições de viabilizar uma obra desta natureza.
Segundo o bispo, o Araguaia é um rio cujo leito varia constantemente e para suportar o movimento de uma hidrovia seria necessária uma drenagem constante para esvaziamento dos lagos o que provocaria uma mortandade de peixes.
“Alegam que uma hidrovia traria emprego, mas eu digo que com, a tecnologia atual, se apertar com dois botões ela entra em funcionamento e acabam-se as possibilidades de emprego. Muitos, inclusive políticos, reconhecem que a hidrovia seria mais um prejuízo e não solução”.
MEIO AMBIENTE – A ocupação desordenada é vista por Dom Pedro Casaldáliga como uma grande ameaça para o meio ambiente e para o planeta. Em São Félix, por exemplo, ele vê com preocupação a ocupação das margens do rio Araguaia, cuja responsabilidade seria oficialmente da Marinha. “Os arredores de São Félix está sendo tratado sem programação, sem perspectiva. Hoje se constroem verdadeiros prédios na beira dos rios”, alerta.
Pontualmente, ele cita o projeto para construir uma praça no bairro Morrinhos. “Infelizmente se pensa em construir para as pessoas de hoje e não para o futuro. Se pensa em construir ignorando as reivindicações da terra. Agora estamos começando a acordar em relação às questões ecológicas. Hoje estamos vendo que o clima é uma ameaça para o futuro da humanidade”.
Dom Pedro faz outro alerta: “O Araguaia está sendo maltratado, o homem está fechando suas fontes e córregos, que são o alimento do rio e alguns deles estão sem possibilidade de proporcionar o que se esperava. Com essas alterações climáticas, o Araguaia está sumindo. Ano passado quase era possível atravessa-lo à pé. Isso é inadmissível”.
RESPONSABILIDADE DE TODOS – Dom Pedro Casaldáliga continua crítico em relação à má gestão do dinheiro público. Segundo ele, as autoridades investem, sobretudo, naquilo que dá grande repercussão para si próprio, como festas do aniversário da cidade, carnaval e até mesmo gastos para receber políticos. “Os gestores fazem essas despesas quando poderiam estar investindo em saúde, educação, comunicação”.
Por outro lado, o bispo emérito de São Félix do Araguaia faz uma importante observação ao lembrar que não basta o povo exigir das autoridades, mas exigir de si próprio, de sua família. “O município é a população, a região é o povo e o mundo é a humanidade.
Devemos viver como cidadãos conscientes, responsáveis, fazendo das nossas famílias a base para educação cívica, respeitando as diferentes religiões, praticando a fé com consciência, pensar sempre com coerência para que todos, filhos e filhas de Deus, possamos viver com dignidade e harmonia”.

Fonte:Agência da Notícia com Vanessa Lima

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